Aguilar, José Roberto
(SÃO PAULO, SP, 1941)
É uma forma de arte como a pintura, por exemplo. O artista ao invés de usar tintas e telas, usa seu olho através de uma câmera de vídeo-tape que registra o tempo do olho. Você julga um trabalho de vídeo por suas qualidades baseadas no tempo, harmonia, movimento, côr, idéia, etc., tudo sincronizado naquele momento preciso do aqui e agora.
Penso haver dois caminhos diferentes mas paralelos na linguagem da vídeo-arte. O primeiro, a forma mais pura e radical no sentido da linguagem, o de redescobrir o mundo como se fosse pela primeira vez visto através da câmera, com olhos novos; o aparecimento do fenômeno do “nonato”, do não existente. Não só os “objetos” deixam de ser objetivados para se transformarem em “assembléia de sujeitos, mas também o fluxo imagético, em tempo de movimento é novo e único. E extremamente dificil acontecerem momentos de “criação total”.
De uma idéia de momento, atrás da câmara, a gente sente um frio no estômago porque uma coisa nova e extraordinária está acontecendo na frente da câmara. De um início de idéia, a ação começa a se desenrolar e a ter vida própria, muito além do pretendido. É engraçado, neste instante agente passa a ser medium do medium. E mais ou menos como aquela sensação de uma poesia de Rimbaud que diz assim:“foi descoberta, foi descoberta ... O quê? a eternidade...é o sol misturado com o mar”. Pois é, é esta sensação de eternidade que vem e que passa e que está sempre aí. Acho que os fazedores de hai-kais seriam ótimos video-makers.
O segundo caminho é o vídeo como portador de idéias. Se no primeiro caminho a mente nem aparecia, aqui ela é imperadora absoluta. E o conceito com seu bisturi imperativo reinterpretando e reescrevendo a História.
Realizei um total de 10 horas de gravação reduzidos na montagem final em 45 minutos. Comecei a rodar em Nova York em abril de 75 e foi terminado no verão carioca do ano seguinte. Creio ter sido o primeiro vídeo com um extenso trabalho de montagem realizado no Brasil. Tem cortes de até 3 segundos de duração.
Sim, se pudermos descartar o desenvolvimento da linguagem narrativa linear como do cinema e teatro convencionais. A leitura do vídeo se faz mais como assembléia. É uma linguagem mosaical, de resultado de soma. Cada cena, digamos assim, é interdependente, tem sua individualidade própria.
Naquele dia o humor e a espontaneidade das pessoas e do olho de quem grava era tal que não pode ser repetida. Mesmo dentro de uma sequência de roteiro isto cria uma individualidade própria para cada segmento. Não existe ator no vídeo. Eles representam eles mesmos. E no final a leitura é a da associação e da soma, isto é, mosaical. Não é aquele começo, meio e fim, e aquela tessitura de climax e anticlímax da linguagem convencional...
José Roberto Aguilar
“Vídeo: Arte / uma forma”
Folha de São Paulo, 26 jun 1977