Arte/Correio

A idéia em processo


Artidéia - o conceito à distância - prova que informação gera comunicação.

A Arte/Correio (mail art) surgiu da necessidade de comunicação artística com o público/interferidor do processo, co-autor de um resultado, no qual as possibilidades de leitura são múltiplas e variáveis.

O veículo correio, signo institucional, perde sua característica original; a arte subverte a norma do padrão estético.

Por meio da Arte/Correio circulam as mais variadas idéias, as mais distantes tendências, e, como partes integrantes do processo, outras mídias: a arte no processo comunicacional do dia-a-dia, linguagens gerando linguagens, num perpétuo ciclo.

O crítico francês Jean Marc Poinsot, em seu livro “Mail Art Comunication: a Distance Concept” (1971), cita duas obras de Duchamp ligadas ao uso do correio, as quais podemos considerar precursoras da Arte/Postal: uma é “Domingo, 6 de fevereiro de 1916, Museu de Arte da Philadélfia” que se constituiu de um texto datilografado sobre quatro cartões postais colados borda com borda (Cf. Schwarz, 1969); a outra, “Podebal/Duchamp” telegrama de Nova York, datado de 1º de junho de 1921, enviado por Duchamp ao seu cunhado Jean Crotti.

Também por essa época, o poeta francês Mallarmé, endereçou seus envelopes enigmaticamente, daí a expressão duchamp mallarmé, cunhada pelo poemúsico norte-americano John Cage.

Em recente pesquisa sobre a obra do pintor Vicente do Rego Monteiro, o artista/correio pernambucano Paulo Bruscky (2005), constatou o pioneirismo desse pintor modernista brasileiro como criador do poema/postal, no ano de 1956, em Paris.

Na primeira metade da década de 60, artistas norte- americanos do Fluxus Art: Ken Fridman, Yoko Ono, John Cage, o alemão Joseph Beuys, os franceses Robert Filiou e Ives Klein, além do japonês Chieko Shiomi, praticaram a arte/postal. Ray Johnson fundou em Nova York, em 1962, a “New Correspondence School of Art”, donde foram expedidos poemas/postais, projetos e idéias sob a forma de um sistema de intercâmbio entre um grande número de artistas, críticos e amigos. Essa escola foi transformada no “Marcel Duchamp Club” em 1971.

No Brasil desse período, surgem os primeiros artistas/correio. Em seu livro “Panorama das Artes Plásticas nos séculos XX e XXI”, o crítico de arte Frederico Morais (1989, p. 83), afirma que um dos primeiros grupos a empregar o correio como veículo artístico no Brasil foi o poema/processo, ainda nos anos 60. Em 1970, o poeta/processo cearense Pedro Lyra divulga através do Jornal do Brasil um manifesto do poema/postal. Não se pode esquecer da faceta sofisticada dos "cartemas" de 1971, de autoria do designer pernambucano Aloísio Magalhães, mosaico permutável a partir de um único cartão-matriz gerador, reduzido e reproduzido múltiplo e diminuto em um só cartão de tamanho normal.

Ainda em 1971, o mesmo Poinsot, principal animador do Centre de Recherches D'Art Contemporain de la Faculté de Lettres de Nanterre, organizou a sessão envois da Bienal de Paris.

Enquanto concebendo-se como processo de interferência criativa sobre o "meio", toma grande impulso a partir da primeira metade da década de 1970 com Paulo Bruscky, Daniel Santiago, J. Medeiros, Ângelo de Aquino, Regina Vater, Leonhard Frank Duch, Unhandeijara Lisboa, Regina Silveira, Samaral, Ypiranga Filho, Ismael Assumpção, Cláudio Ferlauto, Falves Silva, Ivan Maurício, Mauricio Fridman, Gabriel Borba, AnnaBella Geiger, Bené Fonteles entre outros. Para o historiador da arte Walter Zanini (1977, p.5), o cartão postal criado pelo próprio artista e o cartão postal alterado parecem ter sido os primeiros veículos de expressão dessa arte essencialmente processual.

O poeta experimental uruguaio Clemente Padin, que em 1968 havia publicado seus "textos signográficos" em cartões postais, organizou em 1974 a primeira exposição de arte/postal da América Latina - o Festival de la Postal Creativa -, realizado na Galeria U de Montevidéu. Um ano depois, Paulo Bruscky e Ypiranga Filho realizaram a I Exposição Internacional de Arte/Postal no Hospital Agamenon Magalhães, na cidade do Recife/PE. Por essa época a Arte/postal torna-se alvo da censura: a II Exposição Internacional de Arte/Correio, organizada em 1976 pela equipe pernambucana Bruscky & Santiago, não chegou a ser realizada, pois seus autores foram presos.

Por sua vez, o artista J. Medeiros, paraibano radicado em Natal desde 1967, organiza na UFRN a I Mostra Internacional itinera posteriormente para Campina Grande e Belém/PB. No ano seguinte, Medeiros realiza na UFPB a I Exposição Internacional d'Arte Correio, em João Pessoa/PB. Outras mostras foram realizadas em Natal, a exemplo da Expoética 77 comemorativa dos 10 anos do poema/processo - e Olho d'Arte por Correspondência (1977), que Mágico (1978), sob a curadoria do artista Falves Silva.

Entre as décadas de 1970 e 1980, surgiram inúmeras publicações internacionais sob os mais diversos lances gráficos, desde o envelope como invólucro da publicação produzida sob sistema cooperativo onde o autor emitia determinado número de cópias de seu trabalho correspondente ao número de exemplares editados, a exemplo de "Povis/Projeto", de Natal, editada por J. Medeiros; "Karimbada", de João Pessoa por Unhandeijara Lisboa; fanzines como "A Gaveta", editado por Marconi Notaro, e "A Margem" de Natal, edição de Falves Silva e Franklin Capistrano, até a "Doc(K)s" revista trimestral de vanguarda com mais de 400 páginas, editada em off-set por Julien Blaine, na cidade francesa de Marseille.

Na América Latina do final dos anos 1970 e início dos anos 80, o poeta uruguaio Padin editou a revista “Ovum”, ao passo que o argentino Edgardo Antonio Vigo editou livros coletivos; no Rio, a revista/envelope “Experiências” produzida foi Samaral e João Carlos Sampaio; em Recife, Bruscky publicou “Multipostais” e “Punho, enquanto em Natal editamos “Contexto”, suplemento especial d'A República, jornal porta-voz da Arte/Correio. Em 11 de dezembro de 1977, “Contexto” teve edição lançada na abertura da Expoética, mostra comemorativa dos 10 anos do movimento pelo do paraibano Raul Córdula inicia o projeto “ O País de Saudade”, exposto no Museu da cidade, em Olinda/PE, em 1985.

Tendo Júlio Plaza como curador, a Arte Postal foi destaque em 1984 na XVI Bienal Internacional de São Paulo, evento artístico realizado sob a curadoria de Walter Zanini.

Em Natal, a Arte/Correio tornou-se uma prática intensa. Além dos já mencionados artistas, cabe citar nomes como os de Carlos Jucá, Venâncio Pinheiro, Avelino de Araújo e Carlos Humberto Dantas.

Mais recentemente, outros novos produtores se inserem nesta prática artística do dia-a-dia, como Fábio di Ojuara e Pedro Costa.

Em 1992, o crítico e poeta potiguar Franklin Jorge realizou o projeto "Amazônia vista pelos artistas", reunindo produtores de diversos países num único "protexto" coletivo: "Amazônia reinventada por artistas do mundo inteiro". Já no ano 2000, comemorando os quatrocentos anos da capital do Rio Grande do Norte, Fábio di Ojuara, Falves Silva e Diógenes da Cunha Lima homenagearam a Cidade do Natal com uma Mostra Internacional de Arte/Correio. Em Junho do mesmo ano ocorre a mostra Arte Conceitual e Conceitualismos, um resgate da produção intermedio no anexo do MAC/USP durante os anos 70 sob a curadoria de Cristina Freire.

Em nossos dias, a prática da Arte/Correio veio proporcionar um intercâmbio permanente entre os "media intermedia", tais como a xerox, o disco, o cd, o filme, o vídeo e o corpo, ou seja, a performance - meios que estão no circuito das idéias e dos projetos cotidianos do artista "multimedia". A divulgação de um evento relacionado a qualquer desses meios é feita por meio do correio, no qual as novas propostas aboliram os tradicionais suportes; esse veículo deixou de ser mero condutor de uma mensagem para integrar-se ao seu significado, assumindo, assim, um novo caráter semântico.

Nesta era da telearte, da estética fractal e da robótica, a Arte/Correio continua em processo intensivo no mundo inteiro, caminhando paralelamente à e-mail @rt o correio eletrônico, que pode ser utilizado de forma conceitual e à utilização de equipamentos multimeios como o fax e o vídeo, o rádio, internet e o cinema, dentre outras múltiplas possibilidades post- modernas deste complexo contexto arte/vida.

Jota Medeiros

Natal/RN/Brasil, 2005

Referências teóricas: BRUSCKY, Paulo. Arte-correio. In: PECCININI, Daisy Valle Machado, coord. ARTE novos meios/multimeios Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Álvares Penteado, 1985, p. 77-79. MEDEIROS, J. Arte/correio, arte postal, mail art: aldeia em processo. In: PECCININI, Daisy Valle Machado, coord. ARTE novos meios/multimeios Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Álvares Penteado, 1985, p. 287-288. MORAIS, Frederico. Panorama das artes plásticas nos séculos XX e XXI. São Paulo: Instituto Cultural Itaú, 1989. POINSOT, Jean Marc. Mail art comunication a distance concept. Preface de Jean Clair. Paris: CEDIC, 1971. SCHWARZ, Arturo. The complete works of Marcel Duchamp. Londres: Thames and Hudson, 1969. ZANINI, Walter. A arte postal na busca de uma nova comunicação internacional. In: PECCININI, Daisy Valle Machado, coord. ARTE novos meios/multimeios Brasil 70/80. São Paulo: Fundação Armando Álvares Penteado, 1985, p. 81-82.



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